Peixe-leão no CE: projeto incentiva consumo na alimentação, mas cientistas alertam para contaminante
Pesquisadores analisam a presença de metais pesados em peixe-leão existente no litoral cearense e possíveis prejuízos para a saúde.
Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br 09:00 - 10 de Setembro de 2024 Atualizado às 10:07
Legenda: Peixe-leão aparece no litoral cearense há dois anos Foto: Ingeti/Divulgação FONTE: Diário do Nordeste
O consumo do peixe-leão pode ser incentivado em municípios cearenses por meio de uma iniciativa denominada de "Equilíbrio dos Mares", criada pelo Instituto Nacional de Gestão, Educação, Tecnologia e Inovação (Ingeti) em parceria com o Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE), com lançamento previsto para a próxima sexta-feira (13), em Fortaleza. Contudo, pesquisadores indicam a presença de metais pesados, como chumbo e mercúrio, e alertam para os riscos à saúde humana ao ingerir a espécie.
O peixe-leão é uma espécie invasora e venenosa, que foi identificada pela primeira vez no Estado em março de 2022. Não há um predador existente no ambiente do Ceará para ele e, por isso, o animal exótico consegue ingerir vários peixes nativos e se reproduzir de forma livre por todo o litoral, ameaçando a biodiversidade e a dinâmica marinha.
Nesse contexto, a ideia do "Equilíbrio dos Mares" é atuar no combate ao peixe-leão por meio de ações de conscientização ambiental, mergulhos para recolhimentos da espécies, mas também o incentivo do consumo gastronômico. Para isso, a ideia é capacitar líderes comunitários, pescadores e guias turísticos para as atividades de divulgação e de combate ao peixe-leão.
Porém, em julho deste ano, cientistas do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC) finalizaram o artigo “Peixe-leão no prato: Medidas de controle da espécie invasora resulta em riscos para a saúde humana”, que aguarda publicação numa revista internacional. A conclusão indica a presença de contaminantes inorgânicos na espécie que pode causar efeitos imediatos ou a longo prazo na saúde humana.
O sabor desse peixe vai ser muito próximo de uma lagosta e nós queremos estimular a pesca desse predador e fazer com que a gente consiga trabalhar no consumo Catarina Mirza, Presidente do Ingeti
Questionada pela reportagem sobre a possibilidade de contaminação pelo consumo do peixe-leão, a presidente indica que há uma pesquisa sobre a qualidade da carne. “Vamos fazer essa análise e pesquisa, inclusive vendo como a pesca no litoral do Ceará vai se apresentar. Porém, em outros países, o consumo já está em altíssima tendência”, pondera.
“Para se ter uma ideia, há pouco tempo na Espanha foi pescada uma tonelada desse peixe para gastronomia, inclusive, de alto luxo. Aqui vamos ter de acompanhar a análise, mas eu acredito que a gente não vá ter nenhum problema”, acrescenta.
O Diário do Nordeste entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima na quinta-feira (29) para obter mais informações sobre o projeto "Equilíbrio dos Mares" para consumo do peixe-leão no Ceará. Até o momento, no entanto, não houve resposta.
O Ingeti é uma organização civil de direito privado, sem fins lucrativos que tem por finalidade desenvolver atividades dirigidas à gestão, à pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico voltado à educação, inovação e cultura.
É seguro comer peixe-leão?
Cientistas do Labomar são contrários ao consumo de peixe-leão como alimento devido à presença de contaminantes, como chumbo, arsênio e mercúrio em níveis acima do tolerável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Na pesquisa “Peixe-leão no prato: Medidas de controle da espécie invasora resulta em riscos para a saúde humana”, foram analisados 50 exemplares da espécie, com tamanho pequeno (entre 16 e 18 centímetros), recolhidos Bitupitá, em Barroquinha, e no Acaraú, ambas no Litoral Norte.
“A UFC, junto com vários colegas de universidade de todo Brasil, nunca incentivou o consumo por dois problemas: o peixe-leão é peçonhento e a maioria dos acidentes acontece no manuseio e, por ser topo de cadeia, tende a acumular mais contaminantes”, explica Tommaso Giarrizzo, professor doutor visitante sênior no Labomar, um dos responsáveis pelo estudo.
Além disso, existem outros tipos de contaminantes que ainda não foram analisados pelos pesquisadores, como óleo, produtos farmacêuticos, pesticidas e fertilizantes. "Direcionar a sociedade para comer um peixe do qual ninguém sabe o nível de contaminação é algo muito irresponsável", enfatiza Tommaso. Os prejuízos para a saúde podem se apresentar de forma imediata ou até a longo prazo.
"São vários os efeitos colaterais ao comer esses contaminantes, desde problemas neurocomportamentais, cardíacos, causar câncer, problemas na prole (em bebês… Depende dos contaminantes", avalia.
O especialista lembra que o estudo foi feito com peixes jovens e que, consequentemente, tinham menos materiais pesados do que os animais adultos. “Um peixe pequeno para tirar o filé é muito complicado, então se pode imaginar é que tenha uma bioacumulação e possam ter mais contaminação. Tudo isso está sendo desconsiderado nessa proposta”, completa sobre a possibilidade de ingestão.
Outro aspecto analisado é a origem dos peixes. "As marambaias (subtratos artificiais para atrair peixes) podem ser feitas de madeira, tudo bem, mas em alguns casos são feitas com materiais impróprios, como toneis de fertilizantes, carros desmontados, pneus. Todas essas estruturas artificiais podem liberar contaminantes", conclui. Para Tommasso, o ideal é pensar em outras possibilidades econômicas com o peixe-leão, como o uso da pele e carcaça em itens de moda como carteiras.
Possibilidades com o invasor
Sergio Almeida, professor do curso de Engenharia de Aquicultura do IFCE Campus Morada Nova, contextualiza que foi convidado pelo Ingeti junto com outros professores para atuar nessa fase inicial do projeto.
"Para participar junto com o Ibama nessa parceria com identificação das comunidades", explica.
Essa primeira etapa, com o objetivo de atuar em dois municípios do Litoral Leste, dois do Oeste e uma cidade da Região Metropolitana de Fortaleza.
"Vamos iniciar as capacitações em escolas públicas e particulares, caracterizar o peixe, explicar o porquê é um problema, o impacto para as outras espécies, o que fazer em caso de acidente...", detalha a respeito das atividades do projeto.
Em relação ao consumo do peixe-leão na alimentação, quando questionado pela reportagem, o professor enxerga isso como uma alternativa para o Estado.
"Isso vai ser objeto de estudo, mas estamos levando em conta (a contaminação), mas a OMS tem limites de tolerância para metais pesados", completa.
Além disso, Sergio adianta a chance de atuar junto com a Fiocruz Ceará para verificar o uso da toxina do invasor para a produção de biofármacos que, com pesquisas, podem compor remédios.
Combate ao peixe-leão
Sobre o combate ao invasor no Estado, a equipe do projeto “Equilíbrio dos Mares” deve realizar treinamentos para a manipulação do peixe-leão que é composto por espinhos venenosos.
“Se não tiver o manejo adequado pela pesca, ao se ferir, o pescador pode ter dor de cabeça, náusea, tonturas e já houve casos de pessoas com convulsão”, detalha. “Nosso projeto atende todo o litoral cearense, estamos trabalhando ações efetivas nas regiões e, hoje, a maior concentração desse predador está no extremo oeste, em Icapuí, onde temos encontrado mais evidências (da presença da espécie).”
Nesse período, deve acontecer a coleta de dados junto com as equipes municipais do litoral. “Vamos monitorar a efetividade desse recolhimento e avaliar a viabilidade de introduzir os predadores naturais, mas essa é uma avaliação trabalhando uma pesquisa científica, sendo algo mais a longo prazo”, conclui.
FONTE: Diário do Nordeste
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